Deverá, por isso, a literatura arredar-se da intervenção?

Já há 60 ou 70 anos que os jovens não lêem. Lembre-se de que os jovens já não lêem livros, lêem sms, livros BD, resumos no Kindle: o Hamlet em 25 palavras, o Lear em 50 palavras. Os jovens estão impacientes, estão zangados, muito zangados com uma civilização, uma sociedade, que não lhes está a dar esperança socioeconómica de que necessitam. Para ler, ler seriamente, tem de haver determinadas condições. Para ler seriamente é preciso silêncio. Não ponha música, tire a rádio e a televisão do quarto. Tem de saber viver, e conviver, com o silêncio (Cada vez menos jovens querem viver com o silêncio. Na realidade, têm-lhe medo. O silêncio tornou-se, de resto, muito caro. Uma casa como esta, com um jardim sossegado, é uma exorbitância para um casal jovem, que vai possivelmente viver para um prédio, com paredes tão finas, que é possível ouvir tudo! Vivemos num inferno de ruído constante.) Tem de estar preparado para – e não riam de mim – saber passagens de cor. Aquilo que amamos, devemo-lo saber de cor. Não é por acaso que “coração” em latim é “cor”. Ninguém nos pode tirar nunca o que sabemos de cor. Deixem-me frisar: saber, saborear de cor, com o coração, não com a cabeça. Queremos sempre levar connosco o que amamos. Eu sou muito velho, mas tento, todos os dias, ou quase todos, aprender um poema, ou fragmentos de um poema, de cor, porque é assim que se agradece uma bela obra. Que outra maneira tenho eu de agradecer a Dante, a Cervantes, a Lope de Vega ou a Shakespeare? A partir do momento em que sabemos um poema de cor, algumas poucas linhas, ele começa a viver dentro de nós. Em terceiro lugar, precisa de ter alguma privacidade. Esta última condição é tremenda, provavelmente a mais difícil, em especial, para os jovens de hoje. Actualmente, a privacidade é o inimigo nº1 de todo o jovem. Não só se confessa tudo a toda a gente, como é imperativo que o façamos imediatamente. Ninguém guarda a experiência, qualquer que ela seja, só para si. Então, três condições: silêncio, aprender de cor e privacidade. De outra forma é impossível viver uma grande obra. Até porque as grandes obras são, geralmente, muito difíceis, exigentes. Querem algo de nós. Lêem-nos. Lêem-nos mais do que nós as lemos.

 

in Entrevista a George Steiner, de Beata Cieszynska e José Eduardo Franco, in Revista Ler, Março 2011

 

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