Histórias de uma Conservadora de Museu

volume I

ISBN: 978-989-35053-4-2
Tema:

32,00 

Descrição

Histórias de uma Conservadora de Museu é o primeiro livro de memórias de Isabel Silveira Godinho, onde dá início ao seu relato de vivências pessoais e profissionais, que estão intrinsecamente entrelaçadas com a História do país e do mundo.

Como lembra Marcelo Rebelo de Sousa:

O mais imediato auto-retrato que sobressai (…) é o exercício do cargo de conservadora do Palácio Nacional da Ajuda.

Mas ao longo destas páginas, o leitor participa vivamente através de relatos escritos, que se fazem acompanhar de fotografias históricas que ilustram as “mais variadas histórias” contadas na primeira pessoa.

Discurso de Luís Marques Mendes, na apresentação do livro:

  1. Começo estas minhas palavras pela constatação de um novo fenómeno que está a surgir em Portugal. Porventura, ainda poucos se deram conta da sua existência. Mas ele existe, é recente e é importante.

Há um número cada vez mais significativo de pessoas que estão a escrever memórias ou livros autobiográficos. Que estão a dar o seu testemunho para a história e para a sociedade. Até há pouco tempo, esta era uma realidade rara, pontual e episódica. Quase um epifenómeno. De repente, transformou-se num movimento relativamente constante, generalizado e envolvente. São memórias e testemunhos de figuras públicas da política, da medicina, da diplomacia, do mundo dos negócios, da área da cultura, de vários sectores da sociedade.

É um novo fenómeno. É um fenómeno recente. Mas é um fenómeno bem-vindo. Alguns, numa visão algo mesquinha e maledicente, interpretam este fenómeno como um exercício de narcisismo ou egocentrismo. Eu vejo-o, antes, como um sinal de maturidade cultural e de desenvolvimento coletivo.

Estamos cada vez mais a aproximar-nos de tendências vigentes no Ocidente, em particular nos EUA e na Europa. Estamos cada vez mais a acertar o passo com exigências éticas de responsabilidade social e de respeito pelos outros. Estamos cada vez mais a prestar um tributo à sociedade que nos acolhe e que nos proporciona amiúde oportunidades ímpares de afirmação e protagonismo. Ainda bem que tal sucede. Estamos a caminhar na direcção certa.

 

  1. A verdade é esta: uma figura pública ou uma personalidade que presta serviço público não tem apenas o direito de escrever. Tem, mais do que isso, o dever de o fazer. O direito a escrever é uma prerrogativa de cidadania. O dever de escrever é uma exigência do cargo que se tem e do mandato que se cumpre.

Não é um dever de exibição ou de vaidade. É um dever de prestar contas, de transmitir conhecimento, de divulgar experiências, de dar um testemunho necessário, de partilhar com a sociedade o ideal de servir, de estimular o surgimento de novos protagonistas, de sensibilizar a comunidade para o primado do mérito, da doação e do serviço público.

Foi o que fez Isabel Silveira Godinho com este livro. Exerceu um direito e cumpriu um dever. O direito de escrever. O dever de o fazer. E vê-se que um e outro são exercidos com prazer, com dedicação e com sentido de responsabilidade.

Quem tem um curriculum vasto e intenso como a Autora não podia agir doutro modo. Uma carreira notável que começou em 1973; que tem 32 anos consecutivos de serviço com brilho no Palácio Nacional da Ajuda; uma carreira onde foi Comissária de várias e importantes exposições, entra as quais “Tesouros Reais” e “D. Luís, Duque do Porto, Rei de Portugal”; uma carreira na qual exerceu o alto cargo de Presidente da Comissão Nacional do Conselho Internacional de Museus; uma carreira que se traduz numa vida intensa recheada de palestras, artigos e várias outras exposições públicas. Quem tem uma actividade cultural tão rica, tão exigente e tão diversificada como Isabel Silveira Godinho, não podia deixar de dar o seu testemunho. Seria um défice para com a sociedade.

Podia escrever agora ou fazê-lo mais tarde. Mas tinha de o fazer. Com a dignidade com que o fez. Com o desprendimento de quem sabe o que é servir. Com a generosidade de quem quer contribuir para ser útil perante o futuro, perante o país e sobretudo perante as novas gerações.

 

  1. Isabel Silveira Godinho, ao escrever este livro, não exerceu apenas o direito de escrever e o dever de o fazer. Mostrou coragem. Escrever é sempre um ato de coragem. Escrever um artigo, um ensaio, um livro, uma biografia. É a coragem de expor um trajeto, um projeto ou uma caminhada. É a coragem de contar em público uma experiência, uma história de vida, uma plêiade de pequenos e grandes gestos. É a coragem de se expor perante a comunidade, a opinião pública e a opinião publicada. É a coragem de se explicar, de melhor se dar a conhecer, de se abrir aos outros, abdicando do sagrado direito à privacidade. Mas é, sobretudo, a coragem de se submeter ao escrutínio e à crítica.

O acto de escrever é sempre uma avenida com dois sentidos: pode ter o lado do elogio e o lado da crítica. Pode ter até os dois ao mesmo tempo. Mas tem sempre o lado do escrutínio. E a este só se submete quem tem coragem.

Foi o que fez, e bem, Isabel Silveira Godinho. Fê-lo agora. Mostrou, agora, ao escrever este livro, a mesma coragem que exibiu ao longo de uma vida intensa e preenchida. Esta sua coragem de escrever não é inédita. Muito menos um epifenómeno. É um ato de coerência. A autora é uma mulher corajosa. É corajosa como pessoa. Foi corajosa na sua vida profissional. Mostra coragem a escrever. Como antes mostrou coragem a liderar. É corajosa a expor a sua experiência de vida. Tal como, durante 33 anos, foi corajosa a dirigir o Palácio Nacional da Ajuda, valorizando-o, dignificando-o, tornando-o mais atrativo, nunca se resignando perante as dificuldades, as insuficiências, os silêncios ou as irrelevâncias. O país aprecia e agradece a quem faz da coragem um sentido de vida.

 

  1. Depois da autora, o livro. Esta é a obra que retrata, pela pena necessariamente subjectiva da autora, a sua vida de 32 anos à frente do Palácio Nacional da Ajuda. Não foi uma passagem pelo Palácio. Foi mesmo uma vida dedicada ao Palácio. Uma vida de devoção à causa cultural do Palácio. Uma vida que será retratada em três volumes. Este é o primeiro, relativo à ação nos anos 80 do século passado. Ficam a faltar os anos 90 e o início do novo século.

Mas este primeiro período tem momentos absolutamente marcantes:

  • A introdução do voluntariado nos trabalhos de valorização do Palácio, com o recurso a voluntários portugueses, franceses e ingleses, uma realidade nova e saudavelmente mobilizadora;
  • A estreita colaboração com Conservadores franceses e britânicos para o estudo das coleções do Palácio e para o estudo e restauro das joias, recorrendo designadamente ao Conservador das Joias da Coroa Inglesa;
  • A criação de oficinas e ateliers de restauro dentro do próprio Palácio para ajudar a recuperar os seus bens, incluindo pratas, porcelanas e pinturas;
  • O lançamento do inovador projeto “Uma Sala, Um Mecenas”, como forma de estimular e acelerar a recuperação total das várias Salas do Palácio, envolvendo neste desafio a sociedade civil;
  • A angariação de fundos para as aquisições permanentes de peças para o Palácio, tanto em Portugal como no estrangeiro, sobretudo em leilões;
  • A abertura da Loja do Museu e a organização de diversas exposições para celebrarem as grandes visitas de Estado a Portugal, de que a visita da Rainha Isabel II foi percursora.
  • O início, ainda nos anos 80, do Programa “Um Olhar Sobre o Palácio”, com artistas contemporâneos para dar a conhecer as várias coleções do Palácio da Ajuda.
  • O empenho que colocava em todos os desafios, maiores ou menos relevantes, de que a compra pelo Palácio da Ajuda das Aguarelas de Enrique Casanova é um notável exemplo. Num momento em que o leilão de venda pretendia separar as dezanove aguarelas do álbum e vendê-las uma a uma, para obtenção de maior lucro, mas com um notório prejuízo cultural, Isabel Silveira Godinho usou de todo o seu poder de persuasão, incluindo uma zanga travada em alemão com o representante do proprietário, para que não se desmantelasse um espolio que devia permanecer como nasceu – uno e coeso. E conseguiu levar por diante a sua obsessão. Até o pormenor de falar alemão foi decisivo. Era a língua do seu interlocutor. Um pequeno mérito da Autora em benefício do maior serviço público prestado ao Palácio.

 

  1. Estes são alguns dos factos, das obras, das iniciativas e dos acontecimentos mais relevantes dos primeiros anos de Isabel Silveira Godinho como Conservadora do Palácio Nacional da Ajuda. Pela quantidade e pela qualidade, eles valem por si. Fazem história. Valorizam uma época. E preenchem um ideal.

Mas, por detrás desta realidade tangível, há um sentimento ainda mais impressivo: o sentimento da paixão.

A autora é uma mulher apaixonada. Apaixonada pela vida. Apaixonada pela família. Apaixonada pelos amigos. Apaixonada pela cultura e pelo seu país. Uma paixão que, como todas, vive com intensidade e profundidade.

Foi esta paixão que Isabel Silveira Godinho levou para o Palácio. Intui-se da leitura do livro. Percebe-se das palavras da autora, uma das mais brilhantes contadoras de histórias. E viveu-a em cada dia da sua liderança à frente do Palácio, ao longo de três décadas intensas e empreendedoras.

Esta paixão não tem preço. Porque paixão, neste caso, é dedicação, é generosidade, é empenho, é criação, é inovação, é vontade de criar, celebrar, investir e empreender. Paixão, neste caso, não é ocupar um lugar. É exercê-lo. Não é exibir um cargo. É prestigiá-lo. Não é justificar um salário. É valorizar uma função. Não é cumprir um horário. É investir toda uma vida num projeto. Não é funcionalizar ou burocratizar um programa. É humanizar, projetar e realizar um desígnio.

Sem menosprezo seja para quem for, há que dizer sem receio e com toda a propriedade: no Palácio Nacional da Ajuda há um antes e um depois de Isabel Silveira Godinho. Antes, o Palácio era um. Depois, o Palácio ficou outro. A realidade física, as origens e a história são a mesma. A programação, o prestígio e o impacto cultural são outros, radicalmente diferentes.

O que se afirmou durante décadas foi uma salutar cultura do exemplo. O exemplo de liderança. O exemplo de trabalho. O exemplo do querer. Sobretudo, o exemplo de fazer. O exemplo de fazer da função cultural do Estado um instrumento de cidadania e de prestígio. Prestígio do Estado, aquém e além-fronteiras. Manifestação de cidadania, levando a cultura a novos públicos e a novos destinatários.

 

  1. Mas há uma última dimensão desta liderança que não pode nem deve ser esquecida: a aposta no património cultural num país em que a palavra degradação antecede normalmente a palavra valorização. Somos uma sociedade que valoriza pouco, e mal, o desígnio cultural do país. Somos uma comunidade que tolera muito, e mal, a degradação do nosso património cultural. Somos um país que reclama investimento do Estado para tudo. Mas despreza o apelo ao investimento na cultura, no património, na promoção e projecção da nossa história. Somos um Estado que coleciona recordes de carga fiscal e arrecada receita em tudo quanto mexe. Mas continuamos, década a década, governo a governo, a não priorizar e valorizar como deve ser a cultura, o património e a história de que nos devemos orgulhar. Falta-nos, infelizmente, AMBIÇÃO.

Isabel Silveira Godinho não mudou esta realidade. Nem podia fazê-lo. Afinal, a política não era a sua função. Mas, à frente do Palácio Nacional da Ajuda, venceu este estigma, ultrapassou este défice, contornou este mau hábito nacional, deu um exemplo notável de ambição. Como? Pelo recurso ao mecenato, pelo envolvimento da sociedade civil, pela capacidade de mobilizar imensas boas-vontades. Pressionando, sensibilizando, exigindo, requerendo, mobilizando. Até alcançar o seu objetivo, até satisfazer a sua ambição em prol do Palácio. Com o atrevimento de quem sabe que ou temos a coragem de liderar ou acabamos liderados pelas burocracias, pelos constrangimentos, pela ausência de prioridades. Com a convicção de que ou inovamos ou perdemos. Com a certeza de que ou arriscamos ou não saímos da cepa torta. Com a obsessão de quem sabe que a pessoa faz o cargo e que prestigiar o cargo público é prestigiar Portugal.

Bem-haja, Isabel Silveira Godinho. O seu exemplo de serviço público honra-a a si própria e honra Portugal.

Informação adicional

Capa

Dimensões

180 x 240mm

Idioma

Páginas

224