Um texto maravilhoso de Dina Matos Ferreira na apresentação do Livro “Retalhos da Vida Pastoral” do Padre Colimão.
Aqui fica uma forte mensagem que queremos lembrar e partilhar.

Dina Matos Ferreira

É um enorme privilégio o que me assiste: estar aqui hoje, diante de uma audiência que me é tão querida e na qual, sinceramente, reconheço rostos muito mais capazes e idóneos para estarem no meu lugar.

Mas são estes os desígnios de Deus para a sua humanidade: nunca somos dignos do que nos é pedido no serviço aos irmãos e neste caso ainda menos, porque se trata do nosso querido Padre Colimão, um sacerdote de Nosso Senhor Jesus Cristo.

A nossa foi uma amizade tardia, e em muitos sentidos, decisiva. Sei que deixarei de fora nesta apresentação muitos aspetos importantes da sua pessoa e da sua vida. Mas para isso temos o livro, completo e muito rico no acervo que reúne.

Era preciso escolher um caminho e o caminho que escolhi é totalmente subjetivo: descreve como vejo pessoalmente o Padre Colimão, como o reconheço. Um reconhecimento dado pelo ágape – esse amor em Cristo que ousa, pelo dom, presumir que conhece um pouco como Deus. É nessa presunção, profundamente grata, que vos dirijo estas palavras.

Em primeiro lugar, não é possível olhar para o Padre Colimão e não ver nele espelhada toda a história do povo de Deus, desde os Patriarcas do Antigo Testamento. Não é possível olhá-lo e não perceber nele Abraão, o nosso pai na fé, a quem Deus diz “Vai”, abandonando a sua cidade de Ur a caminho de Canaã. Ou Moisés, que sai do Egito para alcançar a Terra Prometida, assumindo uma missão não querida nem procurada, mas apenas recebida e cumprida.

Nele vemos encarnada antes de mais essa missão de todo o povo de Deus que é caminho, peregrinação, expatriamento, despojamento e entrega.

O mesmo se diga em relação ao chamamento que lhe foi feito ainda em tão tenra idade – onde é impossível também não discernir os profetas “Antes mesmo de te formar no ventre materno Eu te escolhi; antes que viesses ao mundo, Eu te separei e te designei para a missão de profeta para as nações” ou “chamei-te pelo teu nome: tu és Meu!”

Essa vocação que reflete todos os traços bíblicos da escolha de Deus e não dos homens, muitas vezes irracional e humanamente incompreensível – como a de David, aquele que não foi mostrado a Deus, mas que Deus quis. E como não intuir na sua vocação a de S. João Evangelista, em que a memória carinhosamente guarda a hora e o modo desse encontro definitivo: “Fui, por volta das 14h00…”

A terna força que emana do nosso querido Padre Colimão parece refletir sempre a predileção encontrada no chamamento. Ao início, a luz encandeia e revela-se em todo o esplendor, mas, ao longo do percurso tantas vezes espinhoso e interminável, vai-se erigindo como a única razão certa para continuar o caminho. Ser-se amado por Deus e ir onde Ele quer – só por Ele e com Ele, é o resumo de todo o sacerdócio que o Padre Colimão encarna com tanta simplicidade e clareza.

E, se no Livro – o Antigo Testamento, podemos ver com evidência os paralelismos e as vicissitudes de uma vida toda feita de entrega, é na Palavra – no Novo Testamento, que o vemos fixar-se, como rocha, no seu eixo vital: Jesus Cristo, único e eterno sacerdote, “o único nome pelo qual devemos ser salvos”. Esse ser pessoal em quem ACREDITA, TENTA VIVER E TESTEMUNHAR, como quis deixar gravado no mote do seu brasão.

Esta centralidade cristológica é, de facto, um dos seus sinais distintivos. Quando chegou a esta paróquia, em 1993, deu-lhe um projeto sem glosa, apenas fazendo ressoar as palavras de Cristo “Eu Sou o Caminho, a Verdade e a Vida; Ninguém vai ao Pai senão por Mim”. E propôs dois objetivos: construir uma igreja viva – comunidade cristã – comunhão e missão, e construir um templo.

Se sabemos como foi árduo o segundo objetivo de construir um templo, penso que não estarei longe da verdade se afirmar que o primeiro constituiu maior provação. Pois o espírito de comunidade foi sempre, entre nós, a sua prioridade apostólica e outro dos seus sinais distintivos.

Com traços profundos de afetividade oriental aliados ao forte espírito missionário e a um enorme sentido de pertença e de família, o Padre Colimão não esconde a estranheza por uma paróquia de pessoas boas e instruídas, mas com pouca ou nenhuma noção de comunidade.

Inicia assim uma longa etapa de evangelização entre seguidores de Cristo, por vezes mais complexa do que entre infiéis sedentos da Verdade, sempre inspirado pelo nosso padroeiro, S. Francisco Xavier.

Quem conheceu, como nós, o nosso querido Padre Colimão nesta fase da sua vida, descortinou imediatamente a sua urgência por acolher, chamar, integrar, chegar a todos. Todos sem exceção: de idade, de raça, de posses e até de credos! Uma mundividência inclusiva que lhe deu o nascimento, a família, o espírito missionário, a diáspora, num conjunto pouco usual e por isso mesmo impossível de gerar indiferença.

Mas, acrescentamos, que lhe deu também o impulso do Espírito, esse que não cabe em fórmulas nem esquemas humanos, mas “sopra onde quer” e pelo Qual estamos todos destinados a ser “consumados na unidade”.

A voz profética clamando no deserto vimos nós no Padre Colimão no desafio constante à Comunidade pela vivência do duplo mandamento – a Deus e ao próximo, e na preferência pelas periferias, tornando-as próximas. A “pesca” ininterrupta de fiéis, feita a tempo e a destempo, como o Apóstolo, fazendo-se tudo para todos, para ganhar alguns.

Só esta atitude, de sede de almas, justifica que tenha desenvolvido o seu apostolado em ambientes tão díspares e “periféricos” como a prisão de Caxias, a ordem de Malta e as Irmãs Missionárias da Caridade, enquanto pároco de S. Francisco Xavier!

E sem nunca perder de vista a “sua” Índia, com quem manteve ligação constante, cá e lá, levando-o, entre outras iniciativas, à Fundação da Associação Fraternidade Damão, Diu e Simpatizantes, para promover a cultura indo-portuguesa e, não temos dúvidas, implantar Cristo em todos os corações.

Sim, o Padre Colimão tirou-nos do nosso conforto, desinquietou-nos, desinstalou-nos de algumas certezas que eram apenas certezas, não eram Fé. Sim, damos graças a Deus porque, seguindo-o por obediência carregada de afeto filial, tivemos de cair de alguns cavalos olhando a própria vocação de outra forma, seguramente mais de Deus e menos dos homens.

Passando na nossa vida com uma enorme simplicidade, o Padre Colimão mostrou-nos a todos que o chamamento e a resposta a Deus não requerem grandes méritos, mas um grande amor e uma entrega sem limites, deixando que “Ele cresça e nós diminuamos”.

Nestes últimos tempos, ver o Padre Colimão implica lembrar as palavras de Cristo a Pedro: “quando eras mais jovem, tu te vestias a ti mesmo e ias para onde desejavas; mas quando fores mais velho, estenderás as mãos e outra pessoa te vestirá e te conduzirá para onde tu não queres ir.” Essa humildade e mansidão quase desconcertantes de tão tangíveis, com que o próprio Cristo se define, e das quais reveste os seus eleitos.

E nesta semana em que um dos seus irmãos foi chamado à presença do Senhor, engrossando a fileira dos que, no Céu, nos precedem, despojando-o ainda mais, pedimos a Nossa Senhora que o console e lhe mostre de novo como é Mãe.

Só saberemos no Céu tudo o que recebemos do nosso querido Padre Colimão. Não só o muito que fez e se pode ver, mas sobretudo o imenso caudal de “meios pobres” que apenas podemos intuir: as dores grandes e pequenas, desilusões, uma ou outra traição, cansaços, trabalhos sem brilho e sem retorno, e o deserto daquelas realidades que humanamente aprecia, mas que aqui não encontra como naturalmente gostaria: o ambiente musical, por exemplo, e os sinais da caridade cristã traduzidos numa comunidade de coração e braços abertos a todos.

Por tudo o que vemos e não vemos, pelo que sabemos que leva no coração e entrega a Cristo, por termos recebido ao longo de tantos anos a vida de Cristo pelas suas mãos – sempre fiéis, nosso querido Padre Colimão, nunca agradeceremos bastante.

Muito obrigada.
Dina Matos Ferreira
28 de Junho de 2018

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